A ideia de uma espiritualidade global não é nova.

Sabemos pela história da Criação, que houve um tempo na história espiritual em que a Luz do Criador e Sua Criação, o Recipiente –  que foi a única origem e união de todas as nossas almas –,  eram um só e em perfeita harmonia. Essa é a história do mundo infinito, que vocês aprenderam nos seus estudos de Kabbalah. Esse foi o ponto inicial, a origem do desejo que todos os seres humanos buscam – um desejo de ser um só com nossos companheiros, com o mundo e, finalmente, com Deus. De alguma maneira, num nível profundo do nosso DNA espiritual, nós nos lembramos dessa derradeira união, pois não podemos ter desejo por aquilo que nós não experimentamos.

Entendemos a partir da história da Criação que o propósito de Deus ao criar este mundo e todas as coisas nele era derramar sobre nós satisfação e benevolência. Nós também entendemos que a natureza do Criador é apenas a de criar e satisfazer. Portanto, a destruição não pode vir desse pensamento ou intenção. O que está na árvore vem da semente. Nada mais, nada menos. O pensamento do Criador para este mundo era a semente, e sua intenção era satisfazer; se esse é o pensamento, assim deve ser também o jogo final, o resultado.

Contudo, sabemos que a história bíblica nos conta que houve um tempo em que o Criador quis destruir o mundo –  a história da Arca de Noé. Bem, o Zohar explica de forma diferente. Não foi Deus quem criou a destruição. Sabemos que não é da natureza de Deus. Foram os feitos da humanidade que fizeram por merecer as consequências das suas ações. Não como punição, mas como resultado de seus próprios pensamentos, palavras e ações. Por exemplo, se examinarmos nosso mundo hoje: podemos beber a água? E os alimentos que nós comemos, o peixe que criamos, o ar que respiramos? Deus os poluiu? Deus os tornou impróprios para consumo? Deus despejou lixo tóxico nas nossas águas? Foi Deus quem nos fez sofrer essas consequências como punição? Ou seriam elas resultado de decisões que tomamos com nosso livre-arbítrio? O Zohar explica que foi o mesmo contexto na época de Noé. A maneira pela qual o Criador se apresentou foi força do resultado, não de punição. 

E, no entanto, o mundo não foi destruído. De fato, nos foi dada a chance de começar de novo. Depois do dilúvio, a humanidade começou novamente. Todos estavam unidos. No final da porção de Noah, está escrito:

E o mundo inteiro tinha uma só língua e um único discurso. E aconteceu que, conforme eles viajavam a partir do Leste, encontraram uma planície Shinar e se estabeleceram lá. E diziam uns aos outros: ‘Venham, vamos fazer tijolos e assá-los cuidadosamente’. Eles tinham tijolos em vez de pedra, e limo como reboco. E disseram: ‘Venham, vamos construir uma cidade e uma torre que alcance o Céu. Assim, nosso nome será famoso e não seremos dispersos por toda a face da Terra’. E o Senhor desceu para ver a cidade e a torre que os filhos dos homens estavam construindo. E o Senhor falou: ‘Eis que o povo é um só, e todos eles têm a mesma língua que começaram a falar e, agora, nada vai afastá-los do que eles planejaram fazer. Venham, desçamos e confundamos a língua deles, de maneira que eles não entenderão as falas uns dos outros’. Então, o Senhor dispersou-os de lá por toda a face da Terra, e eles pararam de construir a cidade. É por isso que essa cidade foi chamada de Babel – porque lá o Senhor confundiu a língua de todo o mundo, e de lá o Senhor os dispersou por toda a face da Terra (Gênesis 11:1–9).

O mundo inteiro foi unificado; um mundo, uma visão. Eles queriam construir uma torre para criar uma ligação, uma unidade novamente com o Criador. Eles queriam uma nova humanidade com base nessa unidade. Eles queriam alcançar o Céu, para voltar ao mundo infinito. Eles falavam uma língua, eram uma nação, com uma religião e um poderoso desejo de se conectar com Deus. Elevar-se a Deus não é um bom desejo? O que estava errado?

Por que Deus viu isso e decidiu criar a separação?

Deus embaralhou a língua deles. Embora esteja escrito nas escrituras que eles esqueceram a língua, está escrito no Zohar que eles simplesmente pararam de ver as coisas da mesma maneira. Houve um bilbul. Houve confusão.

Um mundo de diferentes nações, religiões e línguas começou naquele momento da história. A história de Babel explica, portanto, como os descendentes de um homem, Noé, se espalharam tanto e se dividiram em nações e religiões distintas, falando em tantas línguas diferentes.

A história relata de que modo, na época em que todos os homens ainda falavam uma só língua, havia uma migração a partir do Leste. Decidiu-se construir uma “cidade e uma torre da altura do Céu”, de forma que os construtores pudessem ficar famosos e evitar que fossem dispersos pelo mundo inteiro.  

A afirmação em Gênesis 11:5: “[…] do qual os filhos dos homens tinham construído” é especialmente significativa. Essa torre era um objeto de orgulho do empreendimento humano.

É claro nessa história que o trabalho da torre descontentou Deus, embora nenhum pecado específico dos construtores tenha sido mencionado diretamente. Foi o ego do povo em querer “ficar famoso” que provocou o caos que se seguiu. Além disso, o desejo de permanecerem juntos num lugar, como uma só nação e uma só religião estava em conflito direto com o propósito divino, como expressado por Deus a Noé e seus filhos após o dilúvio: “Sejam férteis e povoem a Terra” (Gên. 9:7). De acordo com essa interpretação, o pecado desse povo foi, portanto, não apenas uma presunção ou um desejo de atingir o Céu e ganhar fama, mas também tentar mudar o plano divino ordenado para a humanidade.

A narrativa da Torre de Babel é um momento de virada na história, como se entende na Bíblia, pois ele sinaliza o fim de uma era do monoteísmo universal.

Por que Deus parou o monoteísmo?
Não era o que Deus queria? Claramente, a partir da história, podemos entender que não é o que Deus quer!

Como nos conta a Bíblia, todas as religiões, todas as nações e todas as línguas são a vontade e a proteção do Criador.

Como Deus disse a Noé após o dilúvio:

“[…] porque à imagem de Deus foi feito o homem. Sejam fecundos e se multipliquem; produzam abundância na Terra e multipliquem sobre ela”. E Deus disse a Noé e aos seus filhos: “Eis que estabeleço Minha aliança com vocês e com a semente que os sucederá; e com todas as criaturas vivas que estão com vocês –  os pássaros, o gado, e todos os seres que se movem sobre a Terra, todos os seres que saíram da arca segundo suas espécies. E eu estabelecerei Minha aliança com vocês: Nunca mais todas as espécies serão eliminadas pelas águas de um dilúvio; nunca mais haverá um dilúvio que destrua a Terra”. E Deus falou: “Este é o sinal da aliança que faço entre Mim e vocês, e toda criatura viva que esteja com vocês, perpetuamente para as gerações futuras: eu coloco meu arco nas nuvens, e será o sinal da aliança entre Mim e a Terra. E poderá acontecer, quando eu trouxer uma nuvem sobre a Terra, do arco ser visto na nuvem, e eu lembrarei Minha aliança entre Mim e vocês e toda criatura viva de todas as espécies, e as águas não mais se tornarão um dilúvio que destruirá todos os seres vivos. E o arco estará na nuvem; e eu olharei para ele e lembrarei a eterna aliança entre Deus e toda criatura viva de todas as espécies que há na Terra”. E Deus disse a Noé: “Este é o sinal da aliança que eu estabeleci entre Mim e todos os seres que há sobre a Terra” (Gênesis 9:6-17).

Deus não só mandou Noé ser fecundo e se multiplicar sobre a Terra. Deus deu sua palavra, por seis vezes, de que todas as coisas foram feitas à sua imagem, e tudo estará protegido.

Um dos principais ensinamentos que recebemos disso é que toda a humanidade foi criada por Deus e é protegida por Deus e, portanto, deve existir. A lição espiritual aqui é aprender a ver, como Deus, a beleza e a santidade de todas as espécies, todas as crenças, e entender que todos os caminhos são o caminho de Deus.

Em seu ensaio Sobre a Paz Mundial (On World Peace, sem tradução pro português), Rav Ashlag explica:

Todas as coisas que existem, na realidade, têm direito de existir, de forma que as destruir e extinguir completamente do mundo é proibido. Em vez disso, nossa obrigação é apenas guiá-las em direção à bondade, pois até uma observação casual do trabalho da Criação que se mostra perante nós é suficiente para [nós] percebermos o alto nível de perfeição dEle, Quem a criou.

Portanto, temos que entender e tomar grande cuidado para não encontrar defeitos em qualquer parte da Criação, declarando [esta parte ou aquela] ser supérflua e desnecessária, porque isso equivale a falar mal, os Céus não permitam, dEle, Quem a criou. 

Mas o Criador protege todos os aspectos de Sua Criação com grande cuidado, e não deixa ninguém destruir qualquer coisa que esteja em Sua posse. 

Então, agora que entendemos, por meio da Bíblia, a lógica espiritual que apoia a orientação de Rav Ashlag, de que todas as religiões e todos os caminhos que levam a Deus são bons e corretos, a pergunta é: “Então, como reunir todas essas diferenças e as devolvermos a uma espiritualidade global para que estejam em sincronia?”.

Embora sejamos todos diferentes, podemos viver com dignidade humana e em sincronia. Podemos usar nossa consciência para reconhecer que nossas diferenças e variáveis são belas. A ideia é que existam diferentes nuances de sincronicidade. Enxergar, com nossa consciência, a beleza do mundo de Deus. Deus planejou o mundo com diversidade.

Cada grupo, cada comunidade, cada religião tem seu próprio processo, e todos são necessários no sistema do mundo. Como a Bíblia nos conta, Deus criou todas as formas da Criação, e todas são a imagem de Deus. A ressalva é que precisamos respeitar as diferenças uns dos outros, não mudar uns aos outros, e sermos capazes de ter pontos em comum e ciência do propósito da vida.

E como fazemos isso?

Consciência!

A consciência é nosso nível de percepção do espírito de Deus em tudo. O que significa paz? Paz é quando as pessoas respeitam umas às outras e podem enxergar com a mais elevada consciência a centelha de Deus que existe em todos e em tudo.

Estamos destinados a ser muitos, mas para aprender a agir como Um.

Acredita-se que Abraão foi o primeiro a trazer a ideia de um só Deus. A história de Abraão segue a história de Noé. Qual a diferença do trabalho de Abraão e daqueles que construíram a torre de Babel, que agiram como Um, mas não viram a importância da multiplicidade? Abraão não queria que todos se tornassem Um, mas ele foi a primeira pessoa a ver o Um (o Criador) em tudo e em todas as coisas. Abraão se apaixonou por Deus. Quando ele olhou para fora e entendeu que toda a beleza que ele via vinha do Criador, dedicou sua vida toda a conhecer Deus. Diz-se que Abraão é como uma pessoa apaixonada que, quando acometida por esse amor, não consegue pensar em nada mais além dessa pessoa, quer saber tudo sobre ela, quer compartilhar com o mundo tudo o que ama nessa pessoa.

Abraão queria compartilhar esse amor com o mundo.

Está escrito em Gênesis 25:6: “Abraão deu presentes e os enviou aos países do Leste. Mas a seu filho Isaac ele deu tudo o que tinha”.

Então, que tipo de presentes Abraão deu? Deu-lhes ferramentas espirituais. Deu-lhes acesso ao entendimento espiritual. E é dito que, no momento da Redenção, essas ferramentas serão reunidas novamente, não somente vindas do Leste, mas vindas de todas as partes do mundo.

Como Deus disse a Noé: “Sejam fecundos e se multipliquem, e lembrem-se de que todas as Criações deste mundo foram feitas à minha imagem. Olhem para dentro de tudo e me encontrarão”.

Rav Ashlag nos disse, em 1954, que o mundo estava pronto para isso. Mas havia necessidade de uma mudança de paradigma.

Foi por essa razão que abrimos as portas do Centro para todos. A Kabbalah era somente estudada por acadêmicos judeus. Hoje, é para todos que desejam participar. Nos Kabbalah Centres ao redor do mundo, nossa comunidade é composta de pessoas de todas as fés e orientações, todas trabalhando para compartilhar mais, ser parte de uma comunidade global e estarem atentas e procurando diminuir seus egos.

Quando lemos sobre a Redenção, está escrito que chegará uma época em que todo o conhecimento espiritual do mundo será reunido. As pessoas com ideias semelhantes se unirão. Independentemente de onde elas nasceram ou qual seu caminho específico para o Criador, elas vão encontrar um denominador comum.

Agora sabemos que existe somente um aspecto neste universo que não diminui ao ser compartilhado: a luz, pois podemos acender mil velas, e a luz da primeira vela nunca diminui. A cera diminui, mas a luz, não. A luz de uma vela é semelhante à Luz da alma. Essa é a Luz que nos une.

Quando começamos tudo isso, eu disse ao Rav Berg que iríamos ensinar Kabbalah aos homens, mulheres e crianças, e ele disse: “Como isso pode acontecer?”. Mas adivinhe só? Aconteceu. E assim também será com as diferentes modalidades espirituais que se reunirão.

Não me entenda mal, nós não queremos mudar quem somos, e não queremos mudar o que a outra pessoa é, mas queremos criar uma base em que todos nós possamos ficar juntos, seja rezando deitados, de joelhos ou de pé. Queremos criar uma base em que cada um de nós possa abraçar o outro e dizer: “Existe Luz em você”.

Nas palavras do profeta Malaquias, 2:10: “Não somos todos filhos do mesmo Pai? Não somos todos criados pelo mesmo Deus?”.