Há em um livro um comentário do kabalista italiano Menachem Recanati, que foi um dos primeiros a trazer a sabedoria do Zohar e de outros escritos dos kabalistas. Ele se concentra aqui no tempo após o dilúvio. Está escrito que Noé começou a plantar um vinhedo, e tanto aqui como no Zohar fica claro que algo deu errado nesse ponto da vida espiritual de Noé. Ele é chamado de homem da terra, o que parece indicar um rebaixamento de um estado espiritual. Ele se tornou mais físico e menos espiritual. Recanati diz que a explicação literal é que Noé decidiu plantar um vinhedo e investiu muito na fisicalidade.

No entanto, dentro dessas palavras, dessa porção e história, ele diz que há um grande segredo. Encontramos muitos lugares diferentes nos escritos em que a Luz do Criador era chamada de Shechiná e referida como um vinhedo. Portanto, o que Recanati está dizendo nessa porção, quando há uma discussão sobre a criação de um vinhedo, é que Noé estava de alguma forma desejando se conectar com a Shechiná. Ele estava tentando criar para si mesmo uma conexão com o que é chamado de vinho positivo, o vinhedo positivo, a conexão com a Luz do Criador que é verdadeira. E é importante entender que em um vinhedo, na conexão espiritual, há negatividade e cascas que estão sempre lá tentando se ligar a cada um de nossos caminhos espirituais e a cada uma de nossas conexões espirituais.

Portanto, dentro desse vinhedo, o que significa dentro do trabalho espiritual, dentro da conexão espiritual, existem dois tipos de conexão. E muitas vezes a pessoa não está ciente de qual vinho está bebendo, a que está se conectando. E aqui está o segredo: um deles é o vinho protegido e oculto, que vem da Coluna da Direita e traz bênçãos, sendo chamado de cálice da salvação. É o caminho ou a conexão que traz grande Luz ao indivíduo. Mas o outro, a partir do mesmo local, do mesmo caminho espiritual, da mesma conexão espiritual com a Shechiná, é outro tipo de caminho que se desperta e é considerado o vinho da negatividade, o vinho que traz consigo as trevas. Portanto, mesmo dentro da conexão espiritual, pode-se estar conectado ao que é chamado de bom vinho, que traz bênçãos, salvação ou elevação com ele, ou pode-se estar conectado ao vinho ou ao caminho que traz consigo as trevas e, por fim, até mesmo a morte.

Noé chegou a um ponto em que percebeu que simplesmente desejar conexões espirituais, simplesmente desejar fazer o trabalho espiritual e estar conectado à Luz do Criador, que é o segredo do vinhedo, não é suficiente. É preciso ter certeza de que há uma conexão positiva dentro do trabalho espiritual. A maioria de nós faz uma distinção entre nossa conexão e desconexão. Nós fazemos algo positivo, que é parte do que vemos como nosso caminho espiritual, e é uma conexão com a Luz do Criador. E há coisas que fazemos que sabemos que são negativas. Mas o que não temos certeza é que, dentro do caminho de conexão que acreditamos ter, há também o potencial e provavelmente já existem partes da conexão que nos levam para fora do caminho.

Se não tivermos tempo para realmente mergulhar, como Noé tentou fazer aqui, e ver quais aspectos em nosso caminho não são puros e não apenas da Luz do Criador, então, vamos permanecer no caminho espiritual, mas terá elementos de escuridão e negatividade dentro dele. Uma grande parte disso tem a ver com o aspecto externo de nosso trabalho espiritual, o que significa que a conexão espiritual real precisa ser interna. A conexão espiritual real precisa ser ocultada. A maioria das partes reveladas de nosso trabalho espiritual se apegou ao que é chamado de caminho negativo, o vinho negativo. E é por isso que Noé caiu: não porque ele não estava tentando fazer a coisa certa, não porque ele não estava tentando estar no caminho espiritual, mas porque ele nem sempre estava se aprofundando nesse caminho e dizendo: “Eu tenho que tirar essa parte. Eu tenho que tirar essa parte, porque tudo isso tem a ver com o externo”.

Este é um dos entendimentos importantes do Recanati: todas as partes de nosso trabalho espiritual que são externas e não são puramente internas a nós e à nossa conexão com a Luz do Criador provavelmente têm aspectos ligados a elas que podem nos conduzir muito em nossas próprias ideias para ser e permanecer espiritual, mas estão realmente sendo desviados do caminho direto da conexão com a Luz do Criador.

Noé não estava limpando seu caminho puro. Pensamos que, enquanto estivermos no caminho, tudo o que temos a fazer é limitar a quantidade de coisas negativas que fazemos. Mas o que nem sempre sabemos é da necessidade de purificar constantemente nosso próprio caminho espiritual. Noé não fez isso. E, portanto, ele perdeu uma tremenda quantidade de Luz e bênçãos que deveria ter em sua vida.

Por causa disso, como Rav Ashlag nos lembra o tempo todo, pouquíssimas pessoas que entram terminam no caminho correto. Como um indivíduo, se não estamos constantemente investigando os detalhes de nossa conexão, se não estamos constantemente purificando nosso caminho positivo, a chance de completar o propósito pelo qual nossa alma veio a este mundo é muito pequena. Essa foi a queda de Adão e de Noé. Não é que eles não fossem espirituais, não é que não continuaram no caminho espiritual: é que eles não estavam constantemente purificando, perguntando: “Qual parte da minha conexão espiritual é interna e apenas minha? E que parte é externa?”.

A grande Luz revelada neste Shabat é a necessidade de purificarmos nosso caminho positivo. E começaria com essa pergunta sobre o quão externo é, perguntando-nos se é importante para nós o que os outros veem ou pensam sobre o nosso caminho; é algo que não é puro e interno apenas para nós? Porque quanto mais externo for, mais não o estamos purificando. Noé não fez isso e, como tal, toda a Luz e todas as bênçãos que sua alma deveria revelar neste mundo não se concretizaram. É um grande presente, portanto, que desejemos aproveitar neste Shabat: trabalhar tanto para ocultar quanto para purificar nossa própria conexão espiritual.