No início da porção de Vayera, há a história de Abraão: no terceiro dia de sua circuncisão, ele está com muita dor e vê o que sabemos ser três anjos. No entanto, ele pensa que são três pessoas comuns, os convida para comer com ele e lhes prepara uma refeição completa.
Há uma seção que fala sobre todas as ações físicas que Abraão estava realizando. Conta-nos em detalhes como caçou os animais e, especificamente, como os cozinhou. Mesmo num nível muito simples, parece estranho que a Torah, entre em tantos detalhes, está nos contando tudo sobre a preparação da comida de Abraão; como tal, deve haver um entendimento espiritual por trás disso.
Qual é o segredo? É dito que no momento em que Abraão viu as três pessoas e correu para convidá-las, a Luz do Criador estava sendo revelada a ele. E também que Abraão disse essencialmente ao Criador: “Espere aqui. Vamos interromper essa conexão para que eu possa cuidar dessas três pessoas.” As três pessoas poderiam ter esperado… então, qual foi a pressa de Abraão?
Para entender isso, há uma seção muito importante de um livro chamado Sefer HaChinuch, que é uma discussão sobre as 613 Mitzvot, as 613 ações espirituais e alguns fundamentos para cada uma delas. No que é chamado de 16ª Mitzvah, na seção 16, ele fala sobre todas as diferentes ações detalhadas que fazemos durante Pêssach, e então o autor para e pergunta: por que precisamos fazer tantas ações para nos conectarmos à saída do Egito? Assim como fizemos a mesma pergunta sobre a descrição detalhada de Abraão sobre seu processo de preparação dos alimentos, perguntamos qual é a necessidade de tantos detalhes na ação de conectar-se à Pêssach.
Por que o Criador está nos pedindo para fazer tantas ações detalhadas? Muitas vezes, as pessoas (mesmo aquelas que são espirituais) gostam de meditar ou fazer algum tipo de conexão, mas não acham que entrar nos detalhes das coisas, ou ser exato sobre as coisas, é algo “espiritual”. No entanto, sabemos, kabalisticamente, que não é suficiente ter uma consciência, uma conexão, ou meditar; realmente tem que haver uma ação manifestada neste mundo.
Então, por que uma pessoa nunca consegue atingir o propósito para o qual veio a este mundo se ela está simplesmente estudando ou mesmo conectando-se e meditando? Por que esse não é um caminho que pode levar um indivíduo à revelação completa do propósito de sua alma neste mundo? E, portanto, por que a ação detalhada e constante é necessária?
Pode-se dizer que em Pêssach há uma grande Luz revelada, então deveríamos apenas sentar por uma hora e meditar para que a Luz da liberdade, a Luz de Pêssach venha até nós. Ao invés disso, passamos horas com tantos detalhes nas ações durante a refeição. Por que isso é necessário?
É dito no Sefer HaChinuch que, se quisermos conhecer a sabedoria, devemos ouvir este ensinamento: uma pessoa se torna o que faz. Uma pessoa se torna o que são suas ações. A maioria das pessoas pensa que é o contrário: se sou uma boa pessoa, pratico boas ações, se sou uma pessoa má, pratico más ações. Minhas ações são uma expressão de quem eu sou. No entanto, ele está dizendo que o oposto é verdadeiro e que as ações realmente nos tornam quem somos. E sem entrar em detalhes, Nachmanides, o Ramban, fala de todos os testes pelos quais Abraão passou, uma combinação dos quais aparecem na porção de Vayera, e expressa a mesma ideia. Porque, já que o Criador sabe o que está na mente, coração e alma de Abraão, por que é necessário testá-lo?
O Ramban diz que os testes não foram apenas para revelar, mas também para permitir que Abraão se tornasse uma pessoa mais elevada. Porque uma pessoa se torna o que faz. Uma pessoa que realiza ações positivas, de compartilhar ou de conexão espiritual, torna-se mais espiritual por causa dessas ações. Nós nos tornamos e somos as ações que fazemos.
Agora, aqui ele diz uma coisa incrível e importante. Digamos que uma pessoa má em seu interior, que tem pensamentos e desejos negativos, decide que no próximo ano vai se forçar a fazer apenas ações de compartilhar e ações espirituais, mesmo que não queira e pense que é a pior coisa do mundo. Então, ele diz, que uma vez que nossos pensamentos, desejos, alma e Luz são uma manifestação do que fazemos, essas ações vão mudar a pessoa, porque nos tornamos o que nossas ações são. E as ações removerão toda a negatividade de seu coração e de sua mente. Porque o coração, o desejo, os pensamentos e a mente seguem a ação. É muito importante entender.
Mesmo que alguém seja a pessoa mais elevada e espiritual do mundo, cujo desejo único é apenas fazer o bem e compartilhar, e cujos pensamentos são todos puros, faça ações que são negativas por um mês, por exemplo, depois desse mês ele será uma pessoa negativa. Sua mente, alma e desejos mudarão. Porque o que fazemos afeta nossos pensamentos, cria nossa conexão e forma nossos desejos. Cada pessoa se torna o que faz.
Estamos falando aqui de extremos: uma pessoa positiva que só faz ações negativas se tornaria negativa, e uma pessoa negativa que faz apenas ações positivas se tornaria uma pessoa positiva. Mas a maioria de nós não está nos extremos, estamos bem no meio. Portanto, o que precisamos entender é que, se não tivermos certeza de que no dia seguinte iremos nos esforçar para fazer ações que sejam boas e de compartilhar, não podemos ter certeza de que seremos uma pessoa boa amanhã.
É muito importante, porque tende a ir contra a maneira como a maioria de nós pensa. A maioria de nós acha que se formos uma boa pessoa, seremos uma boa pessoa. Talvez possamos nos elevar mais, nos tornar mais conectados e ter mais Luz e bênçãos por causa disso. Mas não é esse o caso, porque nos tornamos as ações que nos forçamos a fazer. O que significa que no dia seguinte, se fizermos dez ações de compartilhar e conexões, então seremos uma pessoa dez vezes melhor do que se tivéssemos feito apenas uma ação de compartilhar. Mesmo que em nossa mente sejamos puros, meditando e apenas Desejando Compartilhar, mas somente viermos a manifestar uma ação hoje, e outra pessoa manifestar dez ações, essa outra pessoa seria dez vezes melhor.
Está escrito no Talmud que o Criador queria elevar cada pessoa e, portanto, recebemos muitas ações e detalhes. Como tal, se quisermos nos tornar uma pessoa melhor, temos que nos certificar de que estamos realizando mais ações. Porque a quantidade de ações de compartilhar e conexões que fazemos é que ditam o quão espirituais e conectados seremos; e é por meio dessas ações que nos tornamos bons.